Um dos principais fatores que nos move a trabalhar com agroecossistemas a partir de práticas regenerativas é a impressionante velocidade com que nossos biomas vem sendo atacados.
Para contextualizarmos rapidamente como se encontra o Brasil, trouxemos aqui alguns dados dos excelentes monitoramentos e pesquisas realizados pelo MapBiomas, uma iniciativa do SEEG/OC (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) nascida em 2015, formada por uma rede colaborativa de ONGs, universidades e empresas de tecnologia que se organizam por biomas e temas transversais, monitorando e mapeando nosso país com dados desde 1985.
Em 2020 o Brasil perdeu 16.557 km² (1.655.782 ha) de cobertura de vegetação nativa em todos seus biomas, de acordo com a mais recente edição do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD) divulgada em 2021. Trata-se de um aumento de 20% em relação a 2019.
A velocidade média de desmatamento também aumentou, passando de 0,16 hectares/dia para cada evento de desmatamento detectado e validado em 2020 para 0,18 hectares/dia em 2021. Com uma média diária de 191 novos eventos, a área de desmatamento por dia em 2021 foi de 4.536 hectares – ou 189 hectares por hora. Somente na Amazônia foram 111,6 hectares desmatados por hora ou 1,9 hectare por minuto, o que equivale a cerca de 18 árvores por segundo.
Algo que nos choca ainda mais, enquanto profissionais das ciências agrárias e agrícolas, é saber que, cruzando informações entre alertas de desmatamento e imóveis rurais com CAR, temos 77% desses acontecimentos dentro dessas propriedades – isso corresponde a 59.181 imóveis que, de alguma forma, fizeram uso indevido do fogo ou outra forma de supressão vegetal. Desse montante, 19.953 imóveis são reincidentes, ou seja, quase 1/3 já desmatou em 2019 e/ou 2020 também.
De toda área desmatada em 2021 no Brasil, 69,5% foram em propriedades privadas, 10,6% em glebas públicas (dessas, 9,3% em terras não destinadas) e 5,3% em áreas protegidas (sendo 1,7% em Terras Indígenas e 3,6% em Unidades de Conservação).
Para nosso alívio, já há 3 anos consecutivos (2019 a 2021), de todas as categorias fundiárias do país somente em Terras Indígenas não houve crescimento de desmatamento – o que nos reforça a importância desses territórios para a preservação ambiental. Os aumentos mais expressivos foram em áreas de vazio fundiário/áreas privadas ainda não cadastradas no CAR (88%), áreas públicas não destinadas (47%) e áreas privadas (32%).
Impressionante como ainda trilhamos por tristes caminhos, não é mesmo?
Trazendo um olhar mais palpável pra nós aqui do Sudeste, focando no bioma Mata Atlântica – que abrange cerca de 15% do território nacional em 17 estados, é lar de 72% dos brasileiros e concentra 70% do PIB nacional – possuímos só 12,4% de sua cobertura original, segundo o último relatório anual divulgado em 2021 da SOS Mata Atlântica, ONG brasileira criada em 1986 que estuda e monitora o bioma e com importante atuação na formulação de legislação ambiental para sua conservação e restauração. Desses poucos remanescentes florestais que nos restam, 80% encontram-se em terras particulares.
Pelo MapBiomas, de 2019 a 2021, a Mata Atlântica teve aumento de 68,5% de alertas validados de desmatamento e de 27,1% de área de desmatamento, ou seja – mais eventos e maiores áreas de desmatamento acontecendo. Somente em 2021, a área desmatada por dia equivale a 82,6 ha, isto é, 3,4 ha por hora. Essas supressões são 78,9% de formação florestal e 19,9% de formação savânica,sendo 14.730 ha ocorridas em áreas privadas e 12.992 ha em vazios fundiários, algumas vezes sobrepostas com áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente.
Considerando áreas desmatadas acima de 0,5 ha, na Mata Atlântica tivemos 7.942 imóveis rurais com CAR em que houveram alertas de desmatamento entre 2019 e 2021, com aumento progressivo entre os anos.
Focando ainda mais, aqui no estado de São Paulo, de acordo com o Projeto Inventário Florestal de SP feito em 2020 pelo Instituto Florestal, temos apenas 22,9% de cobertura vegetal nativa no estado, em vários estágios de recomposição, e que tem seu maciço concentrado a partir da costa litorânea paulista, numa curtíssima faixa de extensão.
Para intervenções desse nível, deve-se ter em mãos uma Autorização de Supressão da Vegetação (ASV) para a mesma poder ser realizada: “A autorização, via de regra, é emitida pelos órgãos estaduais de meio ambiente (OEMAs) e o IBAMA, nos casos em que envolve áreas públicas federais ou projetos que envolvem dois ou mais estados. Complementarmente, os órgãos municipais de meio ambiente atuam por delegação de competência mediante convênio e também em alguns casos específicos, como no corte de árvores em área urbana.”
E, como bioma campeão, em 2021, a Mata Atlântica apresentou o maior número de alertas (914) em imóveis com ASV – , um aumento de 109% no número de alertas em relação a 2020! Onde 206 deles possuíram algum tipo de irregularidade ou ilegalidade relacionado a sobreposição com alguma área protegida (UC, TI, RL, APP, RPPN etc) ou com alguma outra limitação ou embargo).
Ou seja, em questão da Mata Atlântica, diante de tamanho grau de degradação do bioma somado há décadas, das constantes autorizações de supressão vegetal e das vagarosas conquistas conservacionistas e restaurativas, precisamos mesmo estudar, viabilizar e oferecer serviços agronômicos e florestais regenerativos.
Nós, da Agroecologia Viva, apoiamos e incentivamos estratégias de conservação para propriedades particulares (como RPPNs, RLs etc), bem como sistemas de produção agrícola, florestal e agroflorestal que trabalhem em convergência para restaurarmos nosso bioma junto de colheitas fartas e retorno financeiro, tanto pelo beneficiamento de bioativos naturais para oferecer ao mercado quanto, por exemplo, através do PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) e recebimento por créditos de carbono preservados em propriedades privadas. Nosso desejo é cada vez mais poder reorganizar terras e paisagens, pra que todos os atores e recursos envolvidos coexistam saudavelmente. Não há outro caminho para prosperarmos. Conte conosco!
_ por Marina di Pietrantonio
SOS Mata Atlântica. Relatório Anual. 2021. https://cms.sosma.org.br/wp-content/uploads/2022/07/Relatorio_21_julho.pdf
MapBiomas. Desmatamento em 2021 aumentou 20%, com crescimento em todos os biomas. https://mapbiomas.org/desmatamento-em-2021-aumentou-20-com-crescimento-em-todos-os-biomas-1
MapBiomas. Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD). 2021. https://s3.amazonaws.com/alerta.mapbiomas.org/rad2021/RAD2021_Completo_FINAL_Rev1.pdf
Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Instituto Florestal. Projeto Inventário Florestal do estado de São Paulo. Mapeamento da cobertura vegetal nativa. 2020. https://smastr16.blob.core.windows.net/home/2020/07/mapa-inventario-florestal-esp-20.pdf
Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Novo inventário florestal do ESP aponta crescimento de 214 mil hectares de vegetação nativa no território paulista. 2020. https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/2020/08/novo-inventario-florestal-do-esp-aponta-crescimento-de-214-mil-hectares-de-vegetacao-nativa-no-territorio-paulista/
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